Paluí é uma palavra inventada que nasceu na música. Título de uma canção edo CD onde está compilada, não tem significado definido. Talvez por causa de tal ambiguidade, Paluí suscitou experiências imaginativas entre vários universos de pessoas, incluindo os próprios autores, tornando-se matéria e caminho de estudo de objetos temáticos que abraçam áreas disciplinares diversas, para além da Música, como o Design, o Vídeo, as Artes Plásticas, o Teatro e a Dança. A conceção, direção e orientação dos diferentes projetos germinados de Paluí tem em sido concretizada por docentes e investigadores do Departamento de Comunicação e Arte (DeCA) da Universidade de Aveiro (UA), do Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança (INET-md), em colaboração com o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM),e do Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura (ID+).

 

A natureza artística e transdisciplinar é o que caracteriza os objetos e processos de investigação desenvolvidos desde a edição de Paluí (2013) enquanto obra musical. Assim como a (co)criação e experimentação em contexto educativo, colaborativo e socialmente inclusivo, germinados da música ou em engajamento íntimo com ela, constituem os seus principais propósitos e universosde implementação. É assim que devem ser interpretados e contemplados os trabalhos artísticos realizados em diferentes regiões e comunidades do país, implementados através de protocolo interinstitucional, e que este site apresenta.
São dois os projetos de estudo já implementados, o primeiro dos quais, constituindo o berço da investigação educativa desenvolvida a partir de então e, assim, também deste mesmo site:
  1. Se queres saber o que é o Paluí põe o teu dedo aqui!, que se consumou materialmente na publicação do livro Paluí: Viagem por histórias sonoras que a língua portuguesa conta (2017; 2019);
  2. Paluí, está aqui? Histórias sonoras para cantos interiores, que visou a construção coletiva de um espetáculo de música, drama, dança e projeção de imagem apresentado no festival Ao Alcance de Todos, em 2019, na Casa da Música, Porto, editado integralmente em Filme-Concerto (2020) e, servindo finalidades pedagógicas e investigativas, em Documentário (2020).

 

O primeiro (2014-2018), onde participaram cerca de seiscentas crianças e seus professores, envolveu as comunidades de Santa Maria da Feira (SMF) e de Aveiro, especificamente os nove agrupamentos de escola do 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico e Pré-Escolar e o DeCA (UA), nomeadamente cursos de Licenciatura e Mestrado em Design e Ensino de Música respetivos alunos e professores.

 

O segundo (2018-2019), conectou comunidades diferenciadas de Aveiro e Porto: alunos e docentes de Música e Design da UA, da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (IPP), um artista da Casa da Música (CdM), e, ainda, utentes e pacientes do Hospital de Magalhães Lemos do Porto (HML), seu Serviço de Reabilitação Psicossocial (SRP).

 

Entre e depois de ambos, um conjunto de experiências e iniciativas diversas foram desenvolvidas e apresentadas em vários locais do país, como espetáculos, exposições, apresentações, show cases, ou até projetos educativos nascidos autonomamente em instituições escolares, como o caso de Paluí, o Musical, promovido por docentes de Música e Teatro das Escolas Artísticas do Conservatório de Música de Lisboa, com quem se desenvolveram laços, processos colaborativos e experiências de natureza educativa e artística, incluindo um “Musical”, criado pelos alunos das classes de Iniciação Musical, apresentado no auditório da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (2018).

 

Neste “espaço” ou hiato entre projetos, se incluem ainda as participações em conferências, comunicações, debates e artigos publicados, onde foi possível partilhar e divulgar, inclusive internacionalmente, os resultados das experiências vividas e possibilitadas por qualquer um dos referidos estudos.
Os objetos e problemáticas de estudo de Paluí caracterizam-se, primeiramente, pelo seu enamoramento particular com a criação e criatividade artísticas, bem como, metodologicamente, com o seu alinhamento com os processos e fins do que é designado como investigação artística, investigação em práticas artísticas, ou, ainda, practice based research in arts; ainda, com os propósitos sociais e inclusivos que definem a filosofia de um grande número de experiências em práticas artísticas socialmente engajadas – ou práticas participativas em arte – realizadas no mundo de hoje, em diferentes comunidades e universos humanos, inclusive o educativo e escolar. Dada a complexidade dos fenómenos de estudo, nomeadamente o seu cruzamento com temas e problemas cuja abordagem, de um modo geral de natureza fenomenológica, está para além da dimensão artística, áreas como a psicologia, a educação e a didática, para além de outras, constituem o campo de pesquisa de Paluí, concorrendo para a extensão e amplitude do seu conteúdo, matéria, finalidades e corpus científico.
São as seguintes as suas linhas ou âmbitos de estudo:
  1. Criação e investigação em práticas artísticas e participativas
  2. Criação, intervenção e investigação em contextos educativos e didáticos da música;
  3. Investigação em música como agente de mudança social e emocional.

 

As duas primeiras linhas englobam objetivos de estudo constantes nos dois projetos realizados, aqui apresentados; a terceira, estando relacionada com a perceção do estigma da doença mental e a exclusão social, é desenvolvida apenas no último, Paluí está aqui? Histórias sonoras para cantos interiores.
Elencam-se a seguir os objetivos genéricos de cada uma das linhas de investigação e que norteiam a conceção, na sua especificidade, dos âmbitos e propósitos de ação de cada um os projetos concretizados – ou, que, ainda, estão para acontecer.

 

1 — Criação e investigação em práticas artísticas e participativas
  • Estudar a música na sua diversidade, plasticidade e complexidade estilística e discursiva, perspetivando-a na sua relação estreita com os tempos e lugares da cultura, particularmente as sociedades contemporâneas, bem como, com outras dimensões do conhecimento, tendo em vista o desenvolvimento, criação e experimentação de possibilidades holísticas, de alcance artístico e transdisciplinar, dirigidos a públicos, contextos e situações específicos, oportunamente analisados e estudados;
  • Estudar, explorar, criar e vivenciar experiências de natureza artística e de alcance transdisciplinar, capazes de impulsionar e mobilizar diferentes pessoas e comunidades, nomeadamente docentes e alunos da Universidade de Aveiro e outras instituições/públicos disponíveis, na construção de projetos culturais comuns, significativos do ponto de vista expressivo, emocional e estético, numa dinâmica de fruição e participação colaborativa, cooperativa, criativa e socialmente inclusiva;
  • Envolver os alunos e docentes de música do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro em experiências estética e socialmente significativas, em estreita conexão com a realidade e comunidade, inclusive para além do espaço formal e institucional e em diferentes contextos, tendo em vista o desenvolvimento e expansão das suas competências criativas, expressivas, performativas e emocionais, e, assim, da sua visão e conceitos sobre música e de como, através dela, podem dar resposta a diferentes desafios colocados pela sociedade de hoje, nomeadamente os que estão para além dos contextos formais da educação e cultura.

 

2 — Criação, intervenção e investigação em contextos educativos e didáticos da música
  • Desenvolver os currículos do Ensino Básico, Pré-Escolar e Secundário através da aproximação da música e das artes às escolas, nomeadamente os músicos e artistas da Universidade de Aveiro, numa dinâmica participativa, ativa e emocionalmente expressiva, bem como de constante reflexão, problematização, formação e atualização das artes, seu lugar como conhecimento na educação e na cultura;
  • Desenvolver o pensamento e ação criativos no contexto da abordagem e leitura dos diferentes curricula e projetos escolares em estudo, partilhando e interpretando, em dinâmicas de investigação-ação, processos e caminhos de implementação que possibilitem dar resposta a diferentes desafios da educação e da cultura da sociedade contemporânea, como a resolução de problemas, o pensamento crítico, a comunicação e diálogo, a cooperação e partilha, a criatividade; bem como, através daqueles, o conhecimento e compreensão de diversos conteúdos, códigos e dimensões disciplinares, com particular destaque para a música e artes;

 

3 — Investigação em música como agente de mudança social e emocional
  • Perspetivar a música e as artes como instrumentos e ferramentas de comunicação, conhecimento e cultura, descortinando, experimentando e aferindo possibilidades de ação, artisticamente efetivas, em prol do desenvolvimento de atitudes, valores, diferentes literacias, sistemas de coesão social e bem-estar psicológico;
  • Estudar os fenómenos psicológicos diretamente associados à dimensão inclusiva e social dos projetos e experiências artísticas realizadas, seus propósitos particulares, sobretudo sob a ótica dos seus participantes e sujeitos de estudo;
  • Indagar como, do ponto de vista psicológico, as vivências e conquistas artísticas alcançadas possibilitam sugerir e interpretar processos relacionais e emocionais, subjetivos e intersubjetivos;
  • Interpretar e perceber como as experiências artísticas contribuíram para dar resposta às questões sociais problematizadas, percebendo, no contexto das pessoas em estudo, que fatores contribuíram para isso (de natureza artística, social e psicológica) e em que evidências se materializaram (objetivas e subjetivas, materiais e psicológicas).
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Música | Engajamento na Sociedade
A música na comunidade, as práticas participativas em arte ou de um modo geral a arte comunitária (as designações são várias) constituem áreas e domínios de intervenção social que têm tido um crescimento exponencial em todo mundo. Reflexo, nos seus propósitos e modos de ação, da complexidade que caracteriza as sociedades contemporâneas, consumam-se num conjunto diversificado de iniciativas dirigidas a comunidades populacionais específicas, com programas destinados a responder a problemas também singulares e de natureza social.  A pobreza, a desigualdade e discriminação social, a educação e a iliteracia (nas suas dimensões mais transversais ou particulares), a tristeza e desmotivação, o envelhecimento são, de um modo geral, os desafios a que inúmeros projetos comunitários, alguns deles nacionais e com grande projeção fora do país, como os da Casa da Música, no Porto, têm procurado intervir e responder. A vivência, a experiência fruitiva e a contemplação estética, quase sempre em contexto de interação, colaboração e partilha social, sendo perspetivados como caminhos poderosos para a construção e transformação de comportamentos, constituem linhas orientadoras que revestem diversos percursos implementados, alguns com resultados social e esteticamente expressivos e significativos, como é o caso, a título de exemplo, dos que têm sido realizados em Portugal por docentes do DeCA, como Paulo Maria Rodrigues e a Companhia de Música Teatral; ou, pelo Serviço da Casa da Música, no Porto. Entre tantos outros.

 

Até pela expansão que tem tido no terreno, a arte em contexto social e comunitário tornou-se, por conseguinte, um campo científico em desenvolvimento, envolvendo metodologias e paradigmas de estudo diferenciados, desde a investigação artística à de natureza interpretativa e fenomenológica, esta última possibilitando descrever e caracterizar, à luz de domínios disciplinares oportunos e relevantes (a psicologia, a psicologia social, a sociologia, a antropologia, as múltiplas áreas da educação, a medicina, etc.), os diferentes significados das experiências realizadas.

 

Educação | Escola | Sociedade | Criatividade

Olhando para o contexto escolar e universitário (onde se inclui o ensino politécnico), se é certo que existem atualmente alguns programas especificamente dirigidos à Música na Comunidade, inclusive nos circuitos académicos nacionais, para além de outros que se desenvolvem no espaço europeu e internacional, são ainda tímidos os exemplos em torno de ações germinadas de propósitos educativos e didáticos, voltadas para dar resposta, também, a necessidades de formação de professores, inclusive no contexto do ensino artístico da música. A expansão do estudo da didática para o domínio das práticas não-formais, estando ainda restrita, no terreno da Música e nomeadamente em Portugal, ou a reflexões sobre alguma literatura, ou, sobretudo, a contextos do Ensino Básico, tem-se revelado, contudo, especialmente nas últimas décadas, uma realidade emergente e, provavelmente, urgente. A realidade que é testemunhada sobretudo nas sociedades urbanas, inclusive pelas exigências de literacia que coloca em múltiplas dimensões do conhecimento, faz robustecer a convicção de que a música, assim como a escola, não podem ser arredadas dos contextos sociais e culturais onde se inscrevem. E, que, estas exigem cada vez mais, dos seus atores e representantes, atitudes continuadas e renovadas de indagação, descoberta e procura. A prova disso, é a diversidade e amplitude de fenómenos emergentes em torno quer de realidades tecnológicas complexas, quer de  abordagens estilísticas, quer de processos de engajamento disciplinar e transdisciplinar (teatro físico, videoarte, arte digital, música visual, espacial…); quer, por fim, de modelos de conhecimento, relacionamento e interação social. Tema atual da reflexão crítica e sociológica, conduz inevitavelmente discursos e abordagens educativas, inclusive teorias sobre currículo, que se têm plasmado, na sua diversidade, em procuras de aperfeiçoamento e transformação, até mesmo das práticas e suas relações com a sociedade.

 

Refletir, no século XXI, sobre a música na escola, nos conservatórios, nas universidades é, pois, igualmente, como a reflexão da própria escola e da educação, um campo amplo. Não apenas de indagação crítica, de experimentação, de confronto e engajamento com a realidade e a cultura, como de potencialidades criativas e imaginativas entre todos os seus atores.

 

Artes | Saber artístico | Pensar Criativo

Independentemente das filosofias em torno das quais, nas diferentes circunstâncias e conjunturas educativas, se argumentam modos de ser valoradas e arquitetadas, na teoria na prática, é extensa a literatura, quer de natureza sociológica, quer de natureza psicológica, perspetivando as artes, nomeadamente a música, enquanto construção, não apenas de conhecimento, como de experiências/vivências, inclusive de natureza pessoal e social, esteticamente significativas. Isto é, tendo em mira as suas funções nos curricula, mais do que a sua relevância para o desenvolvimento de processos e habilidades intrinsecamente performativos, são realçados aspetos humanos, emocionais, contemplativos e transformativos que, provavelmente mais do que outra área do saber, podem delas advir, sobretudo quando governadas por práticas alinhadas com tais propósitos. A arte comunitária e as práticas participativas em arte, onde se inclui a que tem sido incrementada através da música, inclusive em Portugal, protagoniza esses movimentos, estando relatada em numerosa bibliografia.

 

Acresce a isto outros enamoramentos, nomeadamente em torno do que pode implicar o pensar artístico. A maneira como as práticas em arte, como a música, sobretudo quando não delimitadas pelo enfoque sobre os aspetos técnicos e interpretativos, suscitam modos de questionamento e procura de respostas a desafios, sendo particularmente valorizada na psicologia e em torno de temas como a criatividade e a inteligência, constitui motivo de desdobramento do seu valor, quer nos diversos curricula, quer na reflexão política e educativa. Alinhados com tais debates, estão documentos ministeriais mais recentemente criados e divulgados, como o Plano Nacional das Artes (2019), ondefigura a ideia de que a metodologia subjacente aos modos do pensar artístico, quando modelada por caminhos que entrecruzam a indagação crítica, a intuição “indisciplinada”, a imaginação criativa e olhares holísticos sobre a realidade, pode ter um papel determinante na constelação e transformação de saberes, incluindo o que se estrutura sobre o modelo científico. E, assim, do mesmo modo, na tal maneira de olhar, holisticamente, o mundo, onde habita a escola. De compreendê-lo. De reinventá-lo.

 

Em síntese

A justificação, pois, de fazer viajar a música e a arte à sociedade – e, deste modo, do próprio estudo de Paluí; de dar continuidade à criação de caminhos e recursos de realização, de imaginação de horizontes ou de utopias; de dar voz a grupos e comunidades específicas; de proporcionar meios para construir escolhas; de tornar acessíveis modos diferenciados para as interpretar, sentir, contemplar, transformar e compreender o mundo conecta-se, inevitavelmente, com as vicissitudes do que é, hoje, viver em sociedade. Fazer dela um mundo melhor.

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