Até pela expansão que tem tido no terreno, a arte em contexto social e comunitário tornou-se, por conseguinte, um campo científico em desenvolvimento, envolvendo metodologias e paradigmas de estudo diferenciados, desde a investigação artística à de natureza interpretativa e fenomenológica, esta última possibilitando descrever e caracterizar, à luz de domínios disciplinares oportunos e relevantes (a psicologia, a psicologia social, a sociologia, a antropologia, as múltiplas áreas da educação, a medicina, etc.), os diferentes significados das experiências realizadas.
Educação | Escola | Sociedade | Criatividade
Olhando para o contexto escolar e universitário (onde se inclui o ensino politécnico), se é certo que existem atualmente alguns programas especificamente dirigidos à Música na Comunidade, inclusive nos circuitos académicos nacionais, para além de outros que se desenvolvem no espaço europeu e internacional, são ainda tímidos os exemplos em torno de ações germinadas de propósitos educativos e didáticos, voltadas para dar resposta, também, a necessidades de formação de professores, inclusive no contexto do ensino artístico da música. A expansão do estudo da didática para o domínio das práticas não-formais, estando ainda restrita, no terreno da Música e nomeadamente em Portugal, ou a reflexões sobre alguma literatura, ou, sobretudo, a contextos do Ensino Básico, tem-se revelado, contudo, especialmente nas últimas décadas, uma realidade emergente e, provavelmente, urgente. A realidade que é testemunhada sobretudo nas sociedades urbanas, inclusive pelas exigências de literacia que coloca em múltiplas dimensões do conhecimento, faz robustecer a convicção de que a música, assim como a escola, não podem ser arredadas dos contextos sociais e culturais onde se inscrevem. E, que, estas exigem cada vez mais, dos seus atores e representantes, atitudes continuadas e renovadas de indagação, descoberta e procura. A prova disso, é a diversidade e amplitude de fenómenos emergentes em torno quer de realidades tecnológicas complexas, quer de abordagens estilísticas, quer de processos de engajamento disciplinar e transdisciplinar (teatro físico, videoarte, arte digital, música visual, espacial…); quer, por fim, de modelos de conhecimento, relacionamento e interação social. Tema atual da reflexão crítica e sociológica, conduz inevitavelmente discursos e abordagens educativas, inclusive teorias sobre currículo, que se têm plasmado, na sua diversidade, em procuras de aperfeiçoamento e transformação, até mesmo das práticas e suas relações com a sociedade.
Refletir, no século XXI, sobre a música na escola, nos conservatórios, nas universidades é, pois, igualmente, como a reflexão da própria escola e da educação, um campo amplo. Não apenas de indagação crítica, de experimentação, de confronto e engajamento com a realidade e a cultura, como de potencialidades criativas e imaginativas entre todos os seus atores.
Artes | Saber artístico | Pensar Criativo
Independentemente das filosofias em torno das quais, nas diferentes circunstâncias e conjunturas educativas, se argumentam modos de ser valoradas e arquitetadas, na teoria na prática, é extensa a literatura, quer de natureza sociológica, quer de natureza psicológica, perspetivando as artes, nomeadamente a música, enquanto construção, não apenas de conhecimento, como de experiências/vivências, inclusive de natureza pessoal e social, esteticamente significativas. Isto é, tendo em mira as suas funções nos curricula, mais do que a sua relevância para o desenvolvimento de processos e habilidades intrinsecamente performativos, são realçados aspetos humanos, emocionais, contemplativos e transformativos que, provavelmente mais do que outra área do saber, podem delas advir, sobretudo quando governadas por práticas alinhadas com tais propósitos. A arte comunitária e as práticas participativas em arte, onde se inclui a que tem sido incrementada através da música, inclusive em Portugal, protagoniza esses movimentos, estando relatada em numerosa bibliografia.
Acresce a isto outros enamoramentos, nomeadamente em torno do que pode implicar o pensar artístico. A maneira como as práticas em arte, como a música, sobretudo quando não delimitadas pelo enfoque sobre os aspetos técnicos e interpretativos, suscitam modos de questionamento e procura de respostas a desafios, sendo particularmente valorizada na psicologia e em torno de temas como a criatividade e a inteligência, constitui motivo de desdobramento do seu valor, quer nos diversos curricula, quer na reflexão política e educativa. Alinhados com tais debates, estão documentos ministeriais mais recentemente criados e divulgados, como o Plano Nacional das Artes (2019), ondefigura a ideia de que a metodologia subjacente aos modos do pensar artístico, quando modelada por caminhos que entrecruzam a indagação crítica, a intuição “indisciplinada”, a imaginação criativa e olhares holísticos sobre a realidade, pode ter um papel determinante na constelação e transformação de saberes, incluindo o que se estrutura sobre o modelo científico. E, assim, do mesmo modo, na tal maneira de olhar, holisticamente, o mundo, onde habita a escola. De compreendê-lo. De reinventá-lo.
Em síntese
A justificação, pois, de fazer viajar a música e a arte à sociedade – e, deste modo, do próprio estudo de Paluí; de dar continuidade à criação de caminhos e recursos de realização, de imaginação de horizontes ou de utopias; de dar voz a grupos e comunidades específicas; de proporcionar meios para construir escolhas; de tornar acessíveis modos diferenciados para as interpretar, sentir, contemplar, transformar e compreender o mundo conecta-se, inevitavelmente, com as vicissitudes do que é, hoje, viver em sociedade. Fazer dela um mundo melhor.